quinta-feira, 3 de março de 2016

Padre Ibiapina a caminho da beatificação

(Entrevista com o Pe. José Comblin)

VIDA PASTORAL (VP): Dom Marcelo Carvalheira, bispo de Guarabira, está promovendo, com muito empenho, a beatificação do Pe. Ibiapina. O senhor acha importante beatificar uma pessoa que viveu no século passado? Essa pessoa teria ainda alguma coisa a dizer às pessoas que vivem no final do século XX?

Pe. Comblin: É verdade que o mundo atual, dito pós-moderno, tem pouco interesse pelo passado. Vive no momento presente e não se preocupa nem pelo passado, nem pelo futuro. Entretanto, nenhum povo pode viver muito tempo com tais disposições. Um povo que não tem história, ou ignora a sua história, não tem referência e terá de enfrentar crises de identidade. Além disso, as elites latino-americanas ainda não assumiram a sua própria história. Consideram os seus países como apêndices das nações líderes do mundo ocidental. Imaginam que o seu passado é a história europeia. A nossa Igreja também valoriza pouco o seu passado. Uma prova disso é que até agora nenhum brasileiro nato foi canonizado ou sequer beatificado. Não é por falta de santos, mas por falta de interesse por parte do clero e das Igrejas locais. Essas preferem projetar-se nas figuras de santos europeus. Por exemplo, aqui no Brasil venera-se São João Maria Vianney, o cura de Ars, como modelo dos sacerdotes. Ora, há uma distância infinita entre o cura de Ars e a história dos sacerdotes no Brasil. A figura de São João Maria Vianney é totalmente inimitável: alguém que foi vigá­rio de uma paróquia de 228 habitantes, cujo maior problema pastoral foi a existência de duas bodegas no território da paróquia — flagelo que conseguiu eliminar depois de anos de insistência. Os desafios dos padres no Brasil são outros. Por isso é realmente útil apresentar como referência pessoas que pertencem à história do próprio país, que construíram a nossa Igreja, e cuja obra queremos continuar.

VP: Muitos católicos desconhecem a figura do padre Ibiapina, sobretudo no Centro e no Sul do Brasil. Quem foi o Padre Ibiapina?

Pe. Comblin: José Antônio de Maria Ibiapina era, como tantas figuras eminentes da Igreja do Brasil, natural do Ceará. Nasceu em 1805 no povoado de Ibiapina, município de Sobral. O pai dele deu a todos os filhos o sobrenome de Ibiapina em memória do povoado em que residiu vários anos. Quando tinha 19 nos de idade, o jovem Antônio perdeu o pai e o irmão na repressão que seguiu a revolução de 1824, que pretendia instalar no Nordeste a “República do Equador”. O pai foi fuzilado e o irmão desterrado na ilha de Fernando de Noronha, onde foi morto clandestinamente. O jovem Antônio, que se preparava para o sacerdócio no Seminário de Olinda, teve de assumir os seus irmãos mais jovens, pois a mãe tinha falecido anterior­mente. Uma vez resolvido o problema dos irmãos, o jovem voltou para Recife. Entrou na primeira turma da faculdade de direito fundada em 1828 em Olinda. Pertenceu à primeira turma de bacharéis formados no Brasil. Logo após ter-se formado foi encarregado de ministrar o curso de direito romano. Após um ano voltou para o Ceará. Foi nomeado juiz de direito e chefe da polícia em Quixeramobim. Não permaneceu aí nem um ano, por constatar que o poder judiciário estava totalmente subordinado aos coronéis locais. Em 1833 foi eleito deputado geral para representar o Ceará na Assembleia Geral no Rio de Janeiro. Cumpriu um mandato de quatro anos (1834-1837) com tal destaque que lhe foi oferecido um ministério. Porém, ficou desanimado diante do ambiente de corrupção e de clientelismo político. Não aceitou sequer um segundo mandato. Voltou para Recife. Exerceu a advocacia de 1838 a 1850, primeiro na Paraíba e depois, durante dez anos, no Recife, onde adquiriu a fama de defensor dos pobres e abandonados. Teve alguns desgostos e retirou-se para a vida contemplativa. Em 1853 foi-lhe oferecido o sacerdócio. Aceitou. Em três semanas recebeu o subdiaconato, o diaconato e o presbiterato. Não lhe foi necessário passar pelo Seminário. Ele entendia mais de teologia que os professores do Seminário. Aliás, logo depois da ordenação foi nomeado vigário geral e professor do Seminário. Embora não fosse esse seu desejo, aceitou para não desagradar o bispo. Mas depois de dois anos decidiu abandonar a cidade e ir para o interior, dedicando-se à evangelização do sertão. Aproveitou uma epidemia de cólera que assolava o interior de Pernambuco e da Paraíba. Então, entre 1855 e 1875, dedicou-se a pregar missões para o povo sertanejo. Percorreu os Estados de Pernambuco, Paraíba, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte numa época em que não havia estradas, mas apenas sendeiros e caminhos de índios. A partir de 1875/6 ficou paralítico e não pôde mais deixar a Casa de Santa Fé de Arara, onde tinha estabelecido o centro de sua vida missionária. Morreu no dia 19 de fevereiro de 1883.

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