VIDA PASTORAL (VP): Dom Marcelo Carvalheira,
bispo de Guarabira, está promovendo, com muito empenho, a beatificação
do Pe. Ibiapina. O senhor acha importante beatificar uma pessoa que
viveu no século passado? Essa pessoa teria ainda alguma coisa a dizer às
pessoas que vivem no final do século XX?
Pe. Comblin: É verdade que o mundo atual, dito
pós-moderno, tem pouco interesse pelo passado. Vive no momento presente e
não se preocupa nem pelo passado, nem pelo futuro. Entretanto, nenhum
povo pode viver muito tempo com tais disposições. Um povo que não tem
história, ou ignora a sua história, não tem referência e terá de
enfrentar crises de identidade. Além disso, as elites latino-americanas
ainda não assumiram a sua própria história. Consideram os seus países
como apêndices das nações líderes do mundo ocidental. Imaginam que o seu
passado é a história europeia. A nossa Igreja também valoriza pouco o
seu passado. Uma prova disso é que até agora nenhum brasileiro nato foi
canonizado ou sequer beatificado. Não é por falta de santos, mas por
falta de interesse por parte do clero e das Igrejas locais. Essas
preferem projetar-se nas figuras de santos europeus. Por exemplo, aqui
no Brasil venera-se São João Maria Vianney, o cura de Ars, como modelo
dos sacerdotes. Ora, há uma distância infinita entre o cura de Ars e a
história dos sacerdotes no Brasil. A figura de São João Maria Vianney é
totalmente inimitável: alguém que foi vigário de uma paróquia de 228
habitantes, cujo maior problema pastoral foi a existência de duas
bodegas no território da paróquia — flagelo que conseguiu eliminar
depois de anos de insistência. Os desafios dos padres no Brasil são
outros. Por isso é realmente útil apresentar como referência pessoas que
pertencem à história do próprio país, que construíram a nossa Igreja, e
cuja obra queremos continuar.
VP: Muitos católicos desconhecem a figura do padre Ibiapina, sobretudo no Centro e no Sul do Brasil. Quem foi o Padre Ibiapina?
Pe. Comblin: José Antônio de Maria
Ibiapina era, como tantas figuras eminentes da Igreja do Brasil, natural
do Ceará. Nasceu em 1805 no povoado de Ibiapina, município de Sobral. O
pai dele deu a todos os filhos o sobrenome de Ibiapina em memória do
povoado em que residiu vários anos. Quando tinha 19 nos de idade, o
jovem Antônio perdeu o pai e o irmão na repressão que seguiu a revolução
de 1824, que pretendia instalar no Nordeste a “República do Equador”. O
pai foi fuzilado e o irmão desterrado na ilha de Fernando de Noronha,
onde foi morto clandestinamente. O jovem Antônio, que se preparava para o
sacerdócio no Seminário de Olinda, teve de assumir os seus irmãos mais
jovens, pois a mãe tinha falecido anteriormente. Uma vez resolvido o
problema dos irmãos, o jovem voltou para Recife. Entrou na primeira
turma da faculdade de direito fundada em 1828 em Olinda. Pertenceu à
primeira turma de bacharéis formados no Brasil. Logo após ter-se formado
foi encarregado de ministrar o curso de direito romano. Após um ano
voltou para o Ceará. Foi nomeado juiz de direito e chefe da polícia em
Quixeramobim. Não permaneceu aí nem um ano, por constatar que o poder
judiciário estava totalmente subordinado aos coronéis locais. Em 1833
foi eleito deputado geral para representar o Ceará na Assembleia Geral
no Rio de Janeiro. Cumpriu um mandato de quatro anos (1834-1837) com tal
destaque que lhe foi oferecido um ministério. Porém, ficou desanimado
diante do ambiente de corrupção e de clientelismo político. Não aceitou
sequer um segundo mandato. Voltou para Recife. Exerceu a advocacia de
1838 a 1850, primeiro na Paraíba e depois, durante dez anos, no Recife,
onde adquiriu a fama de defensor dos pobres e abandonados. Teve alguns
desgostos e retirou-se para a vida contemplativa. Em 1853 foi-lhe
oferecido o sacerdócio. Aceitou. Em três semanas recebeu o subdiaconato,
o diaconato e o presbiterato. Não lhe foi necessário passar pelo
Seminário. Ele entendia mais de teologia que os professores do
Seminário. Aliás, logo depois da ordenação foi nomeado vigário geral e
professor do Seminário. Embora não fosse esse seu desejo, aceitou para
não desagradar o bispo. Mas depois de dois anos decidiu abandonar a
cidade e ir para o interior, dedicando-se à evangelização do sertão.
Aproveitou uma epidemia de cólera que assolava o interior de Pernambuco e
da Paraíba. Então, entre 1855 e 1875, dedicou-se a pregar missões para o
povo sertanejo. Percorreu os Estados de Pernambuco, Paraíba, Piauí,
Ceará e Rio Grande do Norte numa época em que não havia estradas, mas
apenas sendeiros e caminhos de índios. A partir de 1875/6 ficou
paralítico e não pôde mais deixar a Casa de Santa Fé de Arara, onde
tinha estabelecido o centro de sua vida missionária. Morreu no dia 19 de
fevereiro de 1883.
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